5.12.12

alívio

dói sem doer, exatamente
doendo, que dó!
dolorida dor colorida
doendo e querendo mais
dor
dura dor, doce dor
só dói, ói, só dói
hoy
porque dantes doera não
dói de doído
moído
esquicido...

doa a quem doer
só dói em quem amô
e quem amô ama doê
d'amor
d - amô -r
dá? - mor
d(am)or
dor

30.11.12

deleite, a um doce

e morar embaixo de seus cabelos
e respirar teu aroma róseo
e acariciar tua pele de suaves notas musicais
e beijar tua boca ausente
e tatear teu sentimento
e abraçar teus ares de quem não está lá
e trazer teu espírito pra dentro do meu corpo
e enfincar-me sob sua carne
e arrancar minha pele para pô-la no teu coração



e teu coração.
meu coração.



se eu morrer não chore não.

o roubo da música que, nunca, fora minha. minhas desculpas.

29.11.12

as máquinas não possuem alma (uma experiência com butoh)

Anda pela metrópole, passo após passo, sempre um pé após o outro, os braços balançam suavemente como pêndulos sincronizados, o olhar segue fixo numa diagonal decrescente e as respostas são sempre as mesmas, pois as perguntas se repetem incansávelmente.Reparou, um dia reparou no funcionamento das coisas, pôde perceber as engrenagens de uma escada rolante, o eixo movendo as rodas dos automóveis, o cartucho de tinta deslizando sobre uma barra de ferro pra lá e pra cá, as rodas de borracha cuspindo sulfites cheias de tonner numa copiadora, o scanner emando uma luz que se movia verticalmente, o botão afundando sempre que pressionado, os cabos de aço do elevador e suas polias que dividem as forças necessárias para elevar determinada massa ou desacelerar a gravidade, percebeu o concreto estável em equilibrio com sua composição de areia, brita e cimento, o ventilador estava ali rodando e para isso precisava de uma bobina de cobre que transfoma energia elétrica em energia cinética, associou o ventilador aos aviões com suas turbinas, que via pelas veredas do céu, acima dos telhados as antenas receptoras de ondas eletromagnéticas que passeiam pela ionosfera, e o mecanismo das perssianas e como cordena seus movimentos através de duas cordas, uma faz o movimento de rotação e a outra desliza as perssianas horizontalmente, para que um horizonte de pedras se fizesse presente no seu campo de visão e como que por uma certa piedade lhe emprestava um pedaço de céu.
Passou então a reparar em seu próprio corpo, se viu cheio de engrenagens, bobinas, cordas controladoras, polias, aço, cimento, areia, brita, como afundava sempre que pressionado, os seus movimentos relacionados à estas características, horizontal, vertical, rotação, senta, levanta, anda, senta, levanta, anda, anda, deita, levanta, senta, anda, deita, horizontal, vertical, pra cima, pra baixo, como n`A Metamorfose, acordou de sonhos intranquilos e havia se tornado máquina, balançou a cabeça para negar, percebeu que continuava máquina, pois a negação o fez mover a cabeça numa rotação, o eixo-pescoço, o comando-negação, corpo-máquina. Irritou-se e decidiu pensar então nas suas relações sociais e mais uma vez supreendeu-se, viu o abraço, o beijo, o sexo, o dialogo, o grito, a porrada, todos precisavam de comandos, engrenagens, cimento, bobinas e etc.Toda relação que tinha possuia estrutura, qualquer máquina possui estrutura, pensou nos movimentos políticos todos cordas, engrenagens, bobinas, roldanas, ali, interagindo como engrenagens, bobinas,roldanas para o perfeito funcionamento da máquina.

neste dia passou a saber com todo seu ceticismo o que não era alma.





10.10.12

Sobre o estado de Rocha pleno

Sobre o estado de Rocha pleno
Lição de Geologia

Há uma camada de poeira que recobre as coisas, protegendo-as de nós. Polvilho escuro da fuligem, fragmento de sal e de alga, toneladas de matéria em grãos que vão cruzando o oceano transformam-se em fiapos transparentes depositados pouco a pouco para preservar o que ficou embaixo. Quase nada se tem pensado a respeito deste fenômeno. Trata-se provavelmente de uma enorme operação de camuflagem, de equalização de um sinal remoto que perceberíamos facilmente na ausência desta montanha de pequenos agregados. Algo dentro das coisas está sendo disfarçado, escondido a qualquer preço, e até mesmo o extrato de rocha, terra e lava seca onde pisamos, construímos nossas cabanas e parimos nossos filhos parece estar ali para embrulhar alguma coisa que tende ao centro. A agregação infindável da Gravidade, da massa caindo sobre a massa, matéria abraçando matéria num apetite sempre renovado, constitui a expressão mais evidente deste princípio. É como se um ser primordial, pleno numa gargalhada antiga, percebesse uma fenda em seu corpo ou pus em seus olhos, uma penugem de cor estranha em seu pelo ou ainda uma má formação em seus membros. Antes de abismar-se na tristeza, envergonhado com o que percebeu, conseguiu ainda recobrir-se com o que havia a sua volta, apanhando tudo o que deixara escapar de si, pois até a pouco fazia parte do teu corpo perfeito a matéria que agora se vestiu - a poeira e a terra, a folhagem e a penugem, o fogo explosivo das estrelas e a escuridão congelada. A gigantesca espiral em movimento, concêntrica, como um feto encolhendo-se, com que se retraiu esta divindade incapaz de compreender-se, de incluir-se inteira, ensinou ao tempo e ao espaço, que até então estavam nela, eram ela, o seu comportamento básico - tombo, solavanco, suspensão; areia, matéria, enigma. É difícil compreender como terá irradiado pelas coisas esta atitude de reclusão e de vergonha. A matéria, na verdade, talvez não seja mais do que a expressão primeira desta fuga. Ao invés da afirmação explosiva a partir de um nada pleno, toda a Física teria por princípio a negação e o ocultamento de alguma coisa percebida, o disfarce de um defeito, a espiral protetora em torno de uma identidade cheia de desgosto.
A expansão do universo, segundo este ponto de vista, deveria prosseguir apenas até que o descobrimento se cumprisse, tornando-se depois desnecessária. Mas se o fluxo de poeira e lava em nosso planeta continua, se a luz desvia em seu espectro para o vermelho, indicando o afastamento progressivo das estrelas já tão afastadas, é porque o corpo envergonhado não pode ainda se cobrir inteiro. Na verdade, o movimento com que giram os gases aquecidos, os choques de massas polares com o ar mais leve e quente que vem dos trópicos, a condensação das tempestades sobre o oceano, todo o sal lançado na atmosfera, a luta das mucosas e das guelras, o sofrimento mesmo das aspirações humanas, dragões espalhando lantejoulas e escamas, vidas ceifadas, pedaços de madeira que naufragam, olhos que a catarata vela, bacia onde moram os sargaços, tudo oque ficou cinzento e floriu depois da primavera, tudo o que outono equalizou com prata e monotonia, o rosado leve do poente, o ar que enche o peito de alegria, parecem na verdade parte de uma astúcia, gestos furtivos que não compreendemos, sequelas de um corpo enorme e defeituoso que tenta inutilmente recobrir-se, sumir debaixo da aparência. O motivo de seu fracasso, provavelmente, deve-se ao fato de a matéria de que se recobre ser ela mesma parte sua, compartilhando sua decepção - também ela quer ocultar-se, reproduzindo infinitesimalmente o movimento que deveria ser restrito ao caroço que lhe deu origem. Acaba assim traindo por mimetismo e semelhança o papel que lhe foi designado enquanto a longa litania do que existe, virando seu rosto para dentro, neutralizando suas feições, desfila lentamente. Talvez seja uma contradição curiosa aquilo que tanto se esconde precisar de testemunhas como nós, que contemplamos, admiramos, e ainda por cima, achamos bonito. Pois assim, todo o apagamento progressivo, a nebulização periódica do que poderia brotar em flores enlouquecidas, a monotonia de uma linguagem que devia ser de carne, uma matemática que devia ser de troncos e de mármore, sim, toda a laguna de possibilidades que a frágil ambição de nossos orgãos não soube verdadeiramente desejar, ganha seu imprimatur, sua documentação enquanto necessidade - abraçamos o que foge de nós, invertemos seu próprio desgosto e recusa, julgamos como perfeita a natureza envergonhada e defeituosa, aderimos, enfim, perdidamente e para sempre ao que parece belo, porque nos conformamos ao amar.


o relógio

o menino vinha, suado, correndo
entre a avenida lotada de carros
ônibus parados, ciclistas desviando
o menino corria

o menino pára no semáforo
um senhor, jovial, aborda o menino
no braço, o atleta porta um belo relógio
grande e brilhante: funcionando!

"Menino, que horas são?"
aturdido, ele se apalpa todo
procura as horas em si, mas não acha

segundos passados, o senhor a esperar
o menino lembra-se: um telefone no bolso!
puxa um celular e lê as horas ao mundo

1.10.12

a Fada do Pó

Ela pululava entre flores e peles
espalhando seu pó de estrelas
por toda a vida nas estradas
fazendo nascer o caos cintilante

no meio do caminho: Ele
Ela se assusta, derrama as centelhas
e, num mergulho, como adagas
o pó invade a narina, faiscante

suas asas, sujas e languidas
subitamente enraivecem: adoecem
e a levam pra cima Dele: acidente

entorpecida, suas unhas viram lâminas
seus atos delicados anoitecem
e o pescoço Dele: incadescente

30.8.12

Coisas assim: tão simples


Eis que as folhas caem,
e o receptácolo,
com suas pétalas, e sépalas,
brota.

Com eles o estigma aponta.
E de seu óvulo nasce a primavera.

Mas o neurônio,
aquele pedaço de razão,
com seus ínfimo baluarte empreguinado de morais dominantes,
urra.

Ele quer a eternidade!

Já a possui, mas não a sabe.
Já a detém, mas não a vê.

Pois ela é redonda, como o mundo.

Mas parece plana.




29.8.12

enxaqueca ( pelo encravado na virilha)

quero ser ferida aberta
cicatriz de batalha
doença crônica sem cura

a ânsia pós-trago
o gene que dá cor aos fios
a raiz capilar que te revela

o café amargo pela manhã
batom perdido na bolsa
insônia-madrugada

o corrimento
o corriqueiro
isqueiro roubado

sou teu hálito
teu suor
teu excremento

os meteoros que anunciarão teu apocalipse
o vulcão que irá lhe derreter feito manteiga

bolor que invade tua geladeira
musgo entre os azulejos de teu banho
bactéria estomacal

sou eu

o pedido de demissão
teu abandono
sal que sai dos olhos

o livro que não vai ler
disco inaudível arranhado
palco desmontado

eu te assalto
eu te mato
eu te amo

http://www.youtube.com/watch?v=yDYMfm0JQOE

9.8.12

BRANCO

e vejo o Papel -
não enxergo.

há branco pintado de vazio
há nada ao invés do tudo
aquele que nada gerava
que dizia o Nada

agora um nada diz tudo
mas tudo o quê?

26.7.12

quatroquatrotrêstrês

Marugassú, sussuarana, sussurro e marijuana
Retina glosada mira-ira'ura bórea da menina
Miocardia estapafúrdia, sopro-santo balanganda
Ventania de ninar, amordaçada de benzina

Ave-non, amenofálica, zaragaia de bandalha
Pula'lto a mil pés, saltitando à Messalina
páratanto, páratudo, fingimento ela esmigalha
La chiquita tán bonita, esbaforida triquinina

Caíndo lancinante, eletrochoque entorpe mente
triturando araçurama, tricotando com navalha
olhos-vidro, alma lavada

Está-telada anugaiã, estilhaçada indecente
longe tanto, mozaicada, menina virou mortalha
tilintando na estrada

17.7.12

Toque

o primeiro contato da glande com os lábios menores
língua na orelha
do cigarro no lábio
do peito nu

a primeira nota da primeira música do dia chegando ao córtex
a visão guardando na íris o primeiro passo de qualquer criança

a fumaça de tabaco encontrando o pulmão
os raios solares dando o primeiro calor ao corpo

não são as primeiras vezes da vida, as primeiras vezes de todo-dia.
a vida deveria estar sempre nos proporcionando primeiras vezes